Escuta aqui seu moço, eu só sou uma
moça do interior. Nasci numa cidadezinha
no leste de Mato Grosso do Sul, tal de Três Lagoas. Já ouviu falar? As pessoas da cidade grande acha que aqui
onde vivo é tudo mato, que animais selvagens vivem entre os habitantes e que
nosso meio de locomoção são carroças, mas vou te dizer uma coisa: Cambada de
ignorantes. Aqui é uma cidade como outra qualquer, com asfaltos e carros pelas
ruas e o mais importante: Sem animais selvagens perambulando entre nós. Só tem uma lagoa que tem crocodilos, capivaras e antas, mais... Mero detalhe. Nada demais.
Cresci aqui moço, e se lá na
cidade grande me chamam de caipira, que seja. Tenho orgulho dessa minha
essência. Eu sempre morei na cidade, mas nas horas de descanso, eu estava no
rancho. Aiiiii moço do céu! Foi lá que aprendi a amar as coisas simples da
vida. Esquecia-se a rotina estressante no caminho e assim que chegava
lá, eu descia descalça e abria a porteira. O carro seguia até o barraco (Sim,
barraco. Barraco de madeira) e eu descia a pé só pra sentir a terra e ia até o
rio para sentir a água. Sensação de
liberdade. Sensação de paz. Era tudo tão
bom. Era simples e humilde, mas era nosso.
Aprendi a pescar com meu avô. Acordava
ainda de madrugada, comia a farofa de ovo que só ele sabe fazer e ia rumo ao
tablado. Passava o dia ali pescando e quando não era hora de peixe na isca, ia
nadar. O meu negócio era o rio. Se não estava pescando, estava nadando. Eu
vivia vermelha. Meu apelido no rancho era cerejinha só pra você ter uma ideia,
moço. Não se espante comigo não, viu? Posso ter um rostinho bonitinho, andar
arrumadinha e falar difícil, mas minha alma é xucra. Gosto do meu pé sujo de
terra e não ligo de passar o dia com as minhas mãos cheirando peixe. Não tenho
nojo das minhocas, muito menos de abrir o peixe e arrancar suas tripas. Moço
bonito, te digo isso e te digo de coração, aqui não tem frescura não.
Amo a cidade e tudo que há
de melhor que o espaço urbano possa me proporcionar, porém, o que eu ganho com
tantos privilégios é stress. É desespero. É sufoco. Viver na cidade é isso. As
pessoas vêm e vão, não param. Fico tontinha! Não temos tempo, e se caso
tivermos, é só um bocadinho. Ai moço, cidade cansa. Fico exausta só de pensar. É
por isso que eu amo a vida rural. Existem detalhes pequenos e maravilhosos que
não reparamos porque é muita informação para nossa cabeça. Como se vê
o verdadeiro brilho do luar com tantos postes iluminando a cidade? E o brilho
das estrelas? Às vezes até vemos, mas é uma beleza ofuscada por tanto
exagero. Cidade é boa, mais a natureza é
ótima. Gosto de respirar o ar puro e sentir o
vento tocar minha alma. Gosto de dormir depois do almoço em uma rede, de ver o pôr-do-sol com meu tereré do lado e de ouvir
uma boa moda de viola enquanto namoro às estrelas. Gosto de sossego sabe moço?
Sossego. Às vezes penso que Deus criou a natureza porque sabia que quando a
soberba da cidade adoecesse, a simplicidade do mato seria a cura.
Anna Carolina Morato.
Comentários
Você anda descritiva e cética, tenho gostado.